Helena, uma brasileira de 25 anos, decide viver e estudar em Amsterdã, na Holanda. A ideia de uma vida de aventuras inesperadamente se abre a uma experiência amarga em meio à solidão e dificuldades do próprio ser estrangeiro. Assim ela conhece Yasuko, sua vizinha japonesa, Peter, um professor de geografia, e Ernest, o namorado com quem divide e prolonga o dissabor da viagem. Em Paisagem de porcelana, o depoimento se dá em fragmentos, como amostras de memórias criadas a partir de vivências traumáticas — e que por isso precisam ser postas à prova. Contada em primeira pessoa, a história apresenta lacunas que só podem ser preenchidas pelo leitor através das sugestões deixadas no texto, suscitando empatia e desconfiança pela narradora. Além disso, essa é uma jornada de sensações, numa atmosfera capaz de despertar diferentes reações durante a leitura, do afeto à repulsa. Uma década após a sua primeira publicação, Paisagem de porcelana volta em uma nova edição reafirmando o vigor poético de Claudia Nina.

O pequeno príncipe conta a história de um menino vindo de um pequeno asteroide que encontra um piloto de avião perdido no deserto do Saara. O príncipe narra suas aventuras em diferentes planetas em busca de um carneiro para manter o seu asteroide livre da infestação de baobás e, assim, proteger a rosa que cultiva. Mas, a cada novo planeta visitado, conhece personagens como o rei, o geógrafo e o acendedor de lampiões, que fazem com que reveja seus propósitos e sua opinião sobre os adultos. Até encontrar a raposa, com quem aprende o significado da palavra “cativar”. Desde a sua primeira publicação, em 1943, O pequeno príncipe faz parte da formação de uma legião de leitores em todo o mundo. Assim como o aviador, que poderia ser o próprio piloto Antoine de Saint-Exupéry, os adultos não escapam às singelas e tocantes metáforas da criança — não raro queremos ver no desenho a jiboia que engoliu o elefante em vez de um chapéu. A tradução de Cezar Tridapalli busca manter a elegância da linguagem original, mas sem parecer antiquada ou feita só para as pessoas grandes.

A história de A infância de Joana é contada em flashes, como recordações da narradora. Alguns retratos são familiares a muitas infâncias: as aventuras na casa dos avós; as férias na praia; as descobertas na escola; a relação com os pais. Outros momentos pedem que o leitor assuma o olhar de quem está apreendendo o mundo pela primeira vez, em sua simplicidade e mistério. Assim, Joana adentra o reino dos sentidos, decifra desejos, cataloga novos aromas e, na via da imaginação, cria histórias em seu “caderno de diversões”. Se a infância é a parte mais importante da vida de uma pessoa, também pode ser entendida como uma preparação para o futuro. As palavras de Mariana Ianelli se desenrolam e crescem com a personagem, que conhece e sabe mais a cada passagem. As fotografias de Juliana Monteiro —corroídas, rasgadas, gastas e unidas em novas configurações — reforçam a dimensão imprecisa do ser criança pela memória. O texto fragmentado e as imagens formam um quebra-cabeça que só pode ser completado com nossa própria experiência.

As aventuras de Pinóquio, publicado originalmente em 1883, vai muito além da história que conhecemos na animação lançada pela Disney. Na jornada do boneco de madeira criado por Gepeto que deseja ser um menino de verdade, ele encontra personagens como o Grilo-Falante, a Fada, a dupla Gato e Raposa e a Baleia — que na verdade é um Tubarão — e vive aventuras em um mundo encantado. Pinóquio reconhece o valor da compaixão, da amizade e da honestidade, mas também atravessa uma trama de transgressão e amadurecimento. Da mesma forma, este clássico de Carlo Collodi é lembrado pelos elementos fantásticos e pelo humor de sua escrita. O nariz que cresce a cada mentira contada ou o grilo conselheiro estão presentes no imaginário de várias gerações, encarnando a ambiguidade do ser humano de forma lúdica. Convidativo a leitores de todas as idades, As aventuras de Pinóquio não é apenas um percurso para se chegar à “moral da história”, mas uma fonte de reflexões e novas sensações pelo prazer da leitura.

No Egito Antigo, onde começaram a ser domesticados, os gatos eram adorados e tidos como um símbolo místico de proteção. Ao longo dos séculos, este felino passou a povoar também a escrita dos seus donos. Histórias brasileiras de gatos reúne textos de célebres escritores brasileiros que se renderam à essa companhia. São contos, crônicas, fragmentos de memórias e trechos de romances que aproximam os gatos sob diferentes perspectivas — ora criaturas independentes e exigentes, ora oferecendo carinho e alento. Dizer que são dotados de uma personalidade forte não é suficiente. Os gatos, e os textos sobre gatos, podem ser ambíguos. Podem também ser fonte de reflexões sobre as relações humanas. Organizada por Rogério Ramos, a coletânea tem textos de Carlos Drummond de Andrade, Cora Rónai, Dalton Trevisan, David Oscar Vaz, Domingos Pellegrini, Ferreira Gullar, Heloisa Seixas, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Maria Julieta Drummond de Andrade, Milton Hatoum, Otto Lara Resende, Paloma Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Ricardo Ramos, Ricardo Ramos Filho, Rogério Ramos e Zélia Gattai.

Entre tantos é um livro sobre as diversas cores, texturas, linhas e formas que existem no mundo. A cada página, novos seres se juntam a uma jornada de descobertas: as diferenças são um convite para refletir sobre quem somos e o que nos faz únicos e mostram como compartilhar as nossas singularidades pode ser uma aventura. E é claro que a imaginação não fica de fora dessa história: com leões, cangurus e borboletas, Entre tantos aponta que, assim como as cores, texturas, linhas e formas, “tudo, tudo pode mudar!”. Para criar as ilustrações do livro, coloridas e em preto e branco, a autora utilizou técnicas mistas com lápis pastel a óleo, tinta acrílica, canetinhas, lápis grafite e raspagem, entre outros. Além de pensar sobre identidade e diversidade a partir de elementos físicos, o texto de Marilda Castanha aborda de forma lúdica afetos como a amizade e o cuidado. A ideia de camuflagem e disfarce, usado por animais e humanos, é questionada — afinal, por que nos disfarçamos? Por que mudamos tanto?

Deztroços é a reunião de vinte livros-objeto produzidos pelo artista e escritor Nelson Cruz, mesclando diferentes técnicas que exploram a materialidade do livro. Cada um deles tem uma composição única, usando diversos materiais, como plásticos, latas, madeiras e detritos. As palavras são elementos presentes nos trabalhos de diferentes formas: nos versos que precedem os livros-objeto, enquanto cenário para outros objetos ou como resquícios de anotações na pesquisa para outros trabalhos. Nesse arranjo “literovisual”, invertendo e sobrepondo os valores atribuídos a objetos e palavras, ambos têm sua plasticidade e sensibilidade evidenciadas. Os materiais, sendo em sua maioria reciclados, também refletem as relações entre comum e extraordinário, orgânico e fabricado, vida e morte — “Em ferrugem aguardada/ uniram-se em desuso/ o ex-peixe e os parafusos”, diz o primeiro livro-objeto. Deztroços propõe um percurso a partir de texturas, cores e dimensões para aguçar os sentidos ao que nos rodeia.

O vira-lata caramelo é um ícone da cultura popular brasileira. Junto a pinschers, yorkshires, poodles e uma infinidade de raças e cruzamentos, os cachorros estão no imaginário de todos, incluindo aqueles que têm a escrita como ofício. Histórias brasileiras de cães reúne uma matilha em contos, crônicas, fragmentos de memórias e trechos de romances de autores clássicos e contemporâneos que se voltaram ao “melhor amigo o homem”. Aqui está, por exemplo, Mila, de Carlos Heitor Cony em um registro de companheirismo, fidelidade e ternura: “Ela é que me guiava, e eu me deixava guiar”. Organizada por Rogério Ramos, a coletânea tem textos de Albano Martins Ribeiro, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Luiz Vilela, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Monique Deheinzelin, Rachel de Queiroz, Raul Pompeia, Ricardo Ramos, Ricardo Ramos Filho, Rodrigo Naves, Rogério Ramos, Rubem Braga e Zélia Gattai.

Em seu primeiro livro, Juliano Holanda usa o talento como compositor para elevar os poemas a sua vocação elementar: a oralidade. “A língua é uma lesma veloz”, entrega em um verso, e os textos se espalham no papel como uma sinfonia — não uma ópera, mas uma roda que ganha novos corpos e instrumentos a cada página virada. Outras armadilhas desejáveis percebe o que há de sensível no banal e assim dá vazão a um mundo que pode ser mais simples e conectado, como seres fantásticos — que somos — criando juntos um futuro possível. Este novo lugar não é impecável. Pelo contrário, segue cheio de arestas. Em Outras armadilhas desejáveis, as imperfeições são envolvidas pelas palavras e pelos afetos. É a bola de gude no apartamento de cima, o carro do ovo, a voz do piloto que pede para continuarmos sentados no avião, o barulho do amor quando quebra. Leitor de autores como Marco Polo, Lucila Nogueira e Philippe Wollney, Juliano Holanda encontrou seu ritmo em meio aos sons da cidade porque sabe, “o cão da palavra não se adestra”.

Profissões para mulheres é uma palestra proferida por Virginia Woolf na Women’s Service League, em Londres, em 1931.Publicado postumamente em A morte da mariposa, o texto é considerado um clássico da literatura feminista. Em sua fala, Woolf apresenta situações em que o fato de ser mulher é determinante para o ofício da escrita, com exemplos materiais e subjetivos que podem ter paralelos traçados com diferentes ocupações. São reflexões de uma das maiores escritoras do século XX que seguem pertinentes na contemporaneidade. Um exemplo é a luta travada contra o Anjo do Lar, figura fantasmagórica encarregada de manter as mulheres no convencionalismo patriarcal que começa a aparecer para Woolf quando ela escreve resenhas sobre livros de autores homens para jornais. Há também ditames que ganharam novas dimensões ao longo do tempo, como a liberdade do corpo. Com tradução de Adriana Lisboa e ilustrações de Marilda Castanha, nesta edição ressoa a ideia de Woolf de que além de ter um quarto, ele precisa ser ocupado.

Um deserto de estranhas veredas é composto de uma longa entrevista concedida ao escritor, pesquisador e professor universitário Eloésio Paulo, em que Luiz Ruffato trata de sua escrita e de seu universo ficcional, tendo como eixo alguns de seus livros. O volume traz também um apanhado da produção do autor no Brasil e no exterior, além de fortuna crítica com trabalhos, especialmente dissertações e teses acadêmicas, mas também artigos de crítica literária publicados em veículos especializados e na imprensa, sobre sua obra. Traz ainda três textos emblemáticos de sua produção: uma crônica e um depoimento sobre sua formação, desde a infância na mineira Cataguases, e um ensaio sobre a presença de imigrantes italianos em Minas Gerais, tema muito presente em seus livros, em função de suas origens familiares.

Na aldeia onde o menino Porã vive, a idade de seus membros é contada pelas castanhas de caju que cada um vai acumulando, uma por ano. A temporada da fruta, adorada e esperada por todos, marca também a passagem do tempo. Quando o avô do curumim morre, suas setenta castanhas ficam para o neto, junto com a responsabilidade de liderar sua aldeia, quando alcançasse a vida adulta. Cumprindo seu destino e com os ensinamentos do avô no coração, Porã encontra, nas castanhas, os caminhos, nem sempre pacíficos, para cuidar de seu povo.

Em vinte textos curtos e dois um pouco mais extensos, somos convidados a uma experiência estética ora mais narrativa, ora mais ensaística. Um universo incomum e inusitado perpassa todo o livro, que conta histórias da sutileza e do estranhamento das coisas, que dão novos ares à nossa percepção da vida e do mundo: o movimento de uma borboleta, o desenho de mãos que seguram uma xícara, a companhia de um cachorro, as cruzes de um colecionador, o cuidado com um passarinho machucado, as tragédias do cotidiano... A escrita de Carlos Dala Stella, acompanhada de seus desenhos, transita entre o comum e o insólito, entre a poesia e a reflexão, sempre marcada pela suspensão do tempo comum.

A princípio, um retrato é feito do outro e do que dele vemos. E ainda do que lembramos e no que pensamos ao ver. Mas lentamente aprendemos que há muitos e inusitados elementos em sua composição. Retratos – desenhos de admiração é um livro de difícil e dispensável classificação. Ao mesmo tempo que reúne retratos desenhados e esculpidos em papel pelo artista ao longo dos anos, divide com o leitor reflexões poético-filosóficas sobre as artes e a experiência humana. Escritores, poetas, músicos, pintores, desenhistas, atores, arquitetos, cientistas, homens e mulheres compõem esse diário artístico-afetivo que Carlos Dala Stella oferece aos leitores.

Herança conta história de uma família em três vozes: a de Sarah K., nascida em Lódz, na Polônia, em 1926; a de Clara K., nascida em São Paulo, em 1949; e a de Lola K., nascida no Recife, em 1984. Três gerações de uma mesma família dividem com os leitores suas experiências com o Nazismo. Lemos o diário de Sarah e partilhamos de sua descoberta do amor, ao mesmo tempo que assistimos ao terror da vida no gueto e ao extermínio em Auschwitz. De Clara, filha de Sarah, sabemos por meio de trechos de suas sessões de psicanálise. Lola, neta de Sarah, filha de Clara — e mãe de Luiza —, escreve notas do que aos poucos descobre sobre sua família, tomando a própria vida por esse prisma. Nas três mulheres estão as marcas indeléveis dos campos de concentração, que reverberam intensamente em suas histórias. As perdas de Sarah K., ainda na Polônia, são objeto de melancolia e luto para Clara e Lola, décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, assim como os horrores desta seguem impregnados em nossa humanidade.

Na melhor tradição da crônica brasileira, Luís Henrique Pellanda ilumina o cotidiano e suas miudezas. Acontecimentos curiosos, desconhecidos transeuntes, a presença amorosa (ainda que discreta) da filha pequena, os afagos da natureza e, principalmente, a cidade e suas ruas e praças – que podem ser as de Curitiba ou muitas outras do mundo – fazem essa história poética da vida comum. Entre textos mais narrativos, que contam pequenas histórias, e exercícios de observação, as crônicas de Calma, estamos perdidos são um convite a uma experiência dilatada do tempo e do espaço.

As crônicas que compõem o livro extrapolam o que o gênero mais comumente anuncia – a vida imediata, cotidiana, ainda que contemplativa – e convidam os leitores à intimidade do menino pobre e de sua família na pequena Cataguases, no interior de Minas Gerais, e à improvável trajetória como escritor. Os textos têm tom memorialístico e são marcados pelo olhar atento e voltado para a vida comum. A escrita literária, que desloca o cotidiano de seu tempo e espaço, faz deles – os textos, seus acontecimentos, personagens e lugares – uma experiência mediada de saudades, lembranças e um suspiro de melancolia.

Toda cicatriz desaparece reúne quarenta textos de Rogério Pereira, selecionados pelo escritor Luiz Ruffato, que têm como tema a infância. O pai bêbado e violento, a mãe doente e amargurada, a irmã morta muito jovem, a pobreza, a lembrança das avós e de antigos colegas de escola compõem as histórias contadas e recontadas pelo adulto impregnado pelo menino magrela e daltônico. Uma bola de plástico, um guarda-chuva velho e banhos em chuveiros improvisados com latas de tinta, assim como outros elementos recorrentes nas narrativas, estruturam uma infância indelével na vida do escritor adulto.

Yasmin, que adota o nome das tristes flores que vê todos os dias pela janela, é uma jovem mulher que aceitou como ofício a tarefa de visitar Wanda, uma senhora doente que vive em uma casa de repouso em uma cidade interiorana. Sem saber por quem foi contratada, ela se muda para a pequena Hervália e passa os dias no asilo onde a senhora mora. Com asco permanente de tudo no lugar, inclusive da mulher a quem, em tese, ela se dedica, Yasmin se vê sufocada por uma vida triste, arrastada e sem sentido. Somente com a atenção de um novo enfermeiro que chega à instituição, que ela chama de “depósito”, a mulher vislumbra em Wanda uma história de vida solitária como a sua.

Os poemas inéditos reunidos nessa obra foram manuscritos nos cadernos de ateliê do artista plástico e escritor Carlos Dala Stella. Em sua sofisticada simplicidade, os poemas evocam intensas e delicadas imagens, ora de alegria e leveza, ora de estranha nostalgia. Uma seleção criteriosa feita a partir de um conjunto com aproximadamente duas mil páginas de textos, desenhos, recortes e colagens. As fotografias dos cadernos manuscritos, as sombras e formas do ateliê do artista e a materialidade das palavras do poeta – papel, tinta –, que compõem o livro como uma narrativa, aproximam o leitor da obra, criando um ambiente de intimidade na leitura.

Maria Rosa é uma adorável menininha que vive uma vida tranquila com os pais. Como toda criança, frequenta a escola, gosta de brincar, de ler e de ouvir histórias. Mas a data de seu aniversário chega trazendo, com a festa, algumas surpresas: a menina recebe da mãe e do pai uma dolorosa notícia, que aos poucos se acomoda em seu coração e se transforma em mais um espaço de afeto. Como a irmãzinha de sua colega Natália, Maria Rosa descobre que é filha adotiva de seus pais e que essa condição não quer dizer menos amor.

Breve e intensa, liricamente imediata, a poesia reunida nesse livro já se anuncia no título, em uma costura que se inventa em linha que comumente representa divisão. Selecionados por Leo Cunha e organizados em cinco recortes temáticos – o poeta em sua relação-criação com o amor, o espelho, a palavra, o tempo e a vida –, que se aproximam e se fundem na leitura, os poemas de Múcio Góes brincam com a obra de outros artistas, recriando referências e ampliando os convites que faz aos leitores. Sentimental e bem-humorada, veloz e coloquial, às vezes levemente nostálgica – é assim essa antologia.

Uma menina e seu irmão menor se despedem dos pais e saem de casa, a caminho da escola. Seu trajeto parece ser o de todas as manhãs e os encontros também parecem ser os mesmos. Mas a caminhada se revela curiosa e, à sua maneira, fascinante. Feita com delicadas e bem-humoradas ilustrações, em um concerto envolvente de luzes e cores, a narrativa nos convida a observar as miudezas do cotidiano daquelas crianças, convocando e iluminando também nossas próprias experiências de ver e de atentar para o que nos rodeia. Um livro para todas as idades.

Bárbara é uma mulher de muitos desejos e retumbante falta. Nada parece satisfazer suas vontades, que se reinventam a cada momento, impondo-se ao marido: num dia frutas e ninhos de pássaros, no outro um baobá de dez metros de altura, e ainda um navio e uma pequenina estrela que brilha no céu... Tudo parece pouco para essa mulher, cujo corpo cresce na medida de suas demandas, que não contemplam os esforços do marido e o filho, sem espaço para crescer diante da enormidade da mãe. A personagem absurda criada por Murilo Rubião e intensificada pelas ilustrações de Marilda Castanha logo se apropria também de nossa atenção, cativando-nos em sua estranha solidão.

As mãos são o objeto desse livro. As mãos que trabalham, criam, tateiam, apontam, cuidam, leem, brincam, celebram, acenam, acariciam... Em um sofisticado e acessível exercício de contemplação das atividades humanas – culturais, econômicas, socias –, Alfredo Bosi e Nelson Cruz convidam o leitor a um passeio histórico e artístico pelos fazeres que constituem a vida comum. Dos gestos mais simples aos mais elaborados, simbólica e concretamente, as mãos escritas por Bosi e desenhadas por Cruz nos contam histórias de quem somos e de como vivemos.

Em uma narrativa econômica e intensa, acompanhamos em fragmentos, ano a ano, a vida de um rapaz que se muda do interior da Bahia para São Paulo, em busca de uma vida melhor. O minúsculo barracão que constrói para morar com Adelina, que se alimenta da saudade que sente da Bahia, em um local inicialmente desabitado na capital, vai se transformando em casa à medida que os filhos nascem e morrem. O trabalho árduo e a vida difícil impregnam a trajetória de todos, que têm nas perdas e nas limitações da pobreza sua sina.

Em uma manhã pacata e comum na pequena Rio da Lua, D. Cinha vê na vidraça da janela de sua casa uma imagem que parece ser a de Nossa Senhora ou de uma santa, o que não fica explicitado no texto. Em pouco tempo, toda a cidade se rende ao acontecimento, que altera a vida de sua população e de municípios vizinhos. A adoração à imagem ou o questionamento quanto a sua existência reverbera em cada um dos moradores – o prefeito, o delegado, o padre, o pastor, o jornalista, o dono do cinema, a mulher da bola de cristal, a poeta, além das pessoas comuns –, colocando suas características e modos de viva em foco, revelando e expondo sentimentos, medos, angústias e anseios da cidade.

Téo está na casa da avó. Chove lá fora e tudo está molhado. Não há nada para fazer e o tédio se anuncia... Mas o “nada para fazer” e a sombra do tédio logo se mostram convite para experiências menos imediatas. Para brincar, Téo precisa inventar a brincadeira e é aí que a história começa. Uma casa acolhedora, o barulho da chuva, um grande livro velho empoeirado e uma imaginação em festa são os elementos do gracioso Animais. Juntos, texto e ilustrações dão asas à criatividade do menino e fazem um elogio à fantasia que cria possibilidades de reinvenção da vida comum.

Uma história sem fim e com muitos caminhos possíveis. É assim a narrativa construída exclusivamente com imagens por Marilda Castanha. Um homem se posta ao lado de uma exuberante árvore e acompanha seus movimentos, que refletem os tempos da natureza e as repostas da humanidade a eles, e vice-versa. Mas, de repente, as cores nas ilustrações revelam uma mudança no comportamento do homem e uma alteração no rumo da narrativa, que fica marcada pelo susto, logo substituído pela esperança e pelo convite a outras histórias. Protagonistas na narrativa, as cores iluminam os percursos dos leitores, criando ritmos para suas leituras.

Sentado no corredor de um hospital, um menino tenta entender o que espera e, nesse tempo, observa o que acontece ao seu redor. Sozinho, sentindo frio – ele e a mãe saíram de casa às pressas, após um telefonema –, com uma caderneta azul nas mãos, ele escreve-desenha-conta sua história, a da mãe grávida e a do padrasto, um motoboy que acaba de sofrer um acidente. Silenciosamente, cuida de seus medos e tenta não se sentir tão só naquele lugar vazio e gélido, ao mesmo tempo que pensa em sua vida. Rabiscos é uma narrativa sensível em que texto, imagens e projeto gráfico contam juntos pequenos momentos de solidão e de descobertas de seu narrador.

Apesar de participar da fundação da Academia Brasileira de Letras, Júlia Lopes de Almeida foi injustamente excluída do quadro de membros da associação, que, no período, optou por não aceitar mulheres. A prosa da autora caracteriza-se pela manutenção de alguns traços da literatura realista, os quais, em diversos momentos, cedem espaço ao fantástico. Em A falência, a autora discute temas como adultério feminino e a decadência da burguesia após a escravidão.

Lucíola, publicado em 1862, romance que inaugura os perfis femininos escritos por José de Alencar, conta a história de Lúcia, prostitua bem-sucedida que circula na alta sociedade carioca do século XIX. Com uma história de vida trágica, Lúcia acostumou-se a conviver com homens mesquinhos e hipócritas, até conhecer Paulo, o narrador do romance, que desenvolve um amor puro pela protagonista e irá comprometer-se com ela de muitas formas ao longo da narrativa. Em um tom epistolar contínuo que dá camadas de realidade ao que está contado, o narrador se comunica com G.M., pseudônimo adotado por José de Alencar, e tece, desde o início, a história de seu amor por Lúcia. Entre a pureza e a perversão de uma época que os costumes da sociedade foram narrados por grandes escritores, Lucíola nos mostra as barreiras de preconceito e maledicência que os protagonistas precisam enfrentar para viver seu amor.

O cortiço, publicado em 1890, é um marco da literatura brasileira. Com atenção especial aos tipos humanos e aos detalhes que os compõem, Aluísio Azevedo constrói um panorama das classes baixas e de seus conflitos cotidianos, mostrando ao leitor que a relação entre explorador e explorado se manifesta em qualquer ambiente. É nos tipos clássicos de João Romão, Bertoleza, Rita Baiana e Jerônimo que encontramos o Brasil do passado e o do presente. Os fios narrativos são múltiplos, os conflitos dos personagens eclodem em cada página. Não há a ordem de começo, meio e fim que permeava a arte romanesca da época; a própria estrutura do livro parece estabelecida no caos e na lama dominantes – tudo acontece ao mesmo tempo, todos se tornam produtos das circunstâncias. É impossível sairmos indiferentes à leitura de O cortiço, um romance que provoca no leitor, na exuberância do seu naturalismo, todo tipo de reação.

Com O marinheiro, Fernando Pessoa abre as portas do teatro português ao drama moderno, na medida em que substitui a ação e a trama pela profunda reflexão filosófica de vozes que mais se atravessam do que propriamente dialogam. Na peça, três mulheres varam a madrugada velando o corpo de uma quarta, enquanto esperam o amanhecer. Nesse contexto, elas refletem sobre questões como a morte, a vida, o limite entre sonho e realidade, chegando a questionar a própria existência do mundo. O drama carrega muitos temas caros ao universo pessoano e a seus heterônimos, relacionando-se especialmente com a poesia de Alberto Caeiro, no questionamento da realidade das coisas, e com a prosa de Bernardo Soares, em seu forte esforço reflexivo.

Gregório de Matos foi o principal nome da poesia barroca brasileira. A maior parte de seus poemas contém sátiras bastantes sofisticadas com duras críticas a figuras públicas, a instituições que detinham poder, a pessoas do convívio diário e, até mesmo, à própria terra. Sua obra oferece, simultaneamente, uma amostra do melhor que o código barroco produziu em língua portuguesa e um retrato da vida em solo brasileiro durante o século XVII.

Em Mensagem, Fernando Pessoa — dessa vez, não se valendo de nenhum de seus heterônimos — revisita a crônica histórica de Portugal. Ao mesmo tempo que faz um apanhado historiográfico, reelabora esse passado repleto de conquistas de maneira poética, produzindo sua própria mitologia nacional, por meio de símbolos que não necessariamente coincidem com os oficiais. Desse modo, os 44 poemas reunidos nesse volume não expõem a história lusitana conforme documentada, e sim propõem uma investigação poética sobre as narrativas que sustentam uma nação e que são capazes de conduzi-la tanto à glória quanto à decadência. Essa obra, o único livro de poemas em português de Pessoa publicado em vida, é um dos pilares do modernismo de Portugal, sendo, por muitos, considerada o principal trabalho de seu autor mais proeminente.

A expressiva poesia da portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) garante um intenso tratamento lírico a temas como o amor, o desejo, a saudade, a tristeza, o sofrimento e a morte, com agudeza técnica e imagens poéticas potentes. Em um cenário literário até então dominado por homens, a importância da poeta não se restringe ao grande valor de seus textos, mas se estende em direção a uma batalha pela igualdade entre os gêneros, manifestada em sua luta por espaço e reconhecimento.

Em Úrsula, conhecemos a trágica história de amor de Úrsula, uma jovem simples, e Tancredo, bacharel proveniente de uma família rica. A relação dos dois é dificultada pelo tio da moça, o Comendador Fernando, que deseja se casar com ela. Diferentemente de outros romances do Romantismo brasileiro, a obra se envolve profundamente no debate sobre a escravização, especialmente por meio dos dramas dos escravizados Túlio, Mãe Susana e Antero. Ao abordar esse tema tantas vezes escanteado por seus contemporâneos, Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra do Brasil, mostra sua força como escritora. Por meio da literatura, a autora se engaja em uma importante causa social, retratando humanamente os sofrimentos e a dura realidade dos escravizados, além de assumir uma posição marcadamente abolicionista. Portanto, para além de sua estrutura central tipicamente romântica, Úrsula consiste em um veículo de denúncia e transformação social.

A literatura de Lima Barreto é marcada pela dura crítica social, pela sátira e pela ironia. Nesse sentido, o conto “O homem que sabia javanês” é exemplar, na medida em que tece uma crítica à cultura dos bacharéis, muitas vezes sustentada por aparências, conforme narra a história de Castro, um homem cuja carreira se sustentou por mentiras e falsa erudição. Os textos reunidos no volume oferecem uma reflexão cáustica acerca das mazelas e contradições do Brasil na passagem do século XIX para o XX.

Quincas Borba narra a história de Rubião, que herdou a fortuna de seu falecido amigo e mestre, o filósofo Quincas Borba, com uma única condição: cuidar de seu cachorro, também chamado Quincas Borba. Depois desse enriquecimento súbito, o homem muda-se de Barbacena para o Rio de Janeiro, onde começa a viver em meio à elite local. Nesse contexto, ele conhece Cristiano Palha e sua esposa Sofia, por quem se apaixona. O casal vê nessa paixão a oportunidade de se aproveitar de Rubião e de sua fortuna, vivendo às suas custas. Aos poucos, as relações de Rubião começam a se deteriorar ao mesmo tempo que ele vai enlouquecendo. Na obra, Machado de Assis traça uma ácida crítica à sociedade carioca, que se mostra sempre movida por interesses escusos. Valendo-se da narração em terceira pessoa, o autor ainda constrói com sofisticação o avanço da loucura de Rubião, que se revela aos poucos ao leitor.

O cortiço, publicado em 1890, é um marco da literatura brasileira. Com atenção especial aos tipos humanos e aos detalhes que os compõem, Aluísio Azevedo constrói um panorama das classes baixas e de seus conflitos cotidianos, mostrando ao leitor que a relação entre explorador e explorado se manifesta em qualquer ambiente. É nos tipos clássicos de João Romão, Bertoleza, Rita Baiana e Jerônimo que encontramos o Brasil do passado e o do presente. Os fios narrativos são múltiplos, os conflitos dos personagens eclodem em cada página. Não há a ordem de começo, meio e fim que permeava a arte romanesca da época; a própria estrutura do livro parece estabelecida no caos e na lama dominantes – tudo acontece ao mesmo tempo, todos se tornam produtos das circunstâncias. É impossível sairmos indiferentes à leitura de O cortiço, um romance que provoca no leitor, na exuberância do seu naturalismo, todo tipo de reação.

Publicado originalmente em 2002, o romance histórico A casa das sete mulheres, de Leticia Wierzchowski, apresenta a Guerra dos Farrapos, motivada pelo desejo de independência da província do Rio Grande do Sul em relação ao Império do Brasil. O que chama a atenção é que os eventos são narrados pela perspectiva das mulheres da família do líder revolucionário Bento Gonçalves, que, apesar de não participarem diretamente dos confrontos, sofrem suas consequências. Em 2003, a obra ganhou uma popular adaptação para a televisão pela Rede Globo, em formato de minissérie. Agora, recebe esta nova adaptação, desta vez em quadrinhos, pelas mãos de Verônica Berta e Leticia Wierzchowski.

A história de A infância de Joana é contada em flashes, como recordações da narradora. Alguns retratos são familiares a muitas infâncias: as aventuras na casa dos avós; as férias na praia; as descobertas na escola; a relação com os pais. Outros momentos pedem que o leitor assuma o olhar de quem está apreendendo o mundo pela primeira vez, em sua simplicidade e mistério. Assim, Joana adentra o reino dos sentidos, decifra desejos, cataloga novos aromas e, na via da imaginação, cria histórias em seu “caderno de diversões”. Se a infância é a parte mais importante da vida de uma pessoa, também pode ser entendida como uma preparação para o futuro. As palavras de Mariana Ianelli se desenrolam e crescem com a personagem, que conhece e sabe mais a cada passagem. As fotografias de Juliana Monteiro —corroídas, rasgadas, gastas e unidas em novas configurações — reforçam a dimensão imprecisa do ser criança pela memória. O texto fragmentado e as imagens formam um quebra-cabeça que só pode ser completado com nossa própria experiência.

Entre pontos é a história de uma família e de um tempo contada, em primeira pessoa, por Pedro. Centrada na admiração por seu Álvaro, seu pai, a narrativa se desenvolve a partir da apresentação minuciosa e afetiva dos personagens que ao longo do tempo fizeram parte da vida do menino: a mãe e seus patrões, os irmãos, o companheiro de trabalho do pai, a colega de escola que se torna namorada e esposa e, principalmente, o ônibus dirigido por seu Álvaro, cenário e fio condutor das memórias do narrador. Porque não tem com quem ficar em casa enquanto todos trabalham, Pedrinho passa os dias no ônibus guiado pelo pai. Nessas viagens, conhece pessoas que marcam indelevelmente toda a sua vida.

A expressiva poesia da portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) garante um intenso tratamento lírico a temas como o amor, o desejo, a saudade, a tristeza, o sofrimento e a morte, com agudeza técnica e imagens poéticas potentes. Em um cenário literário até então dominado por homens, a importância da poeta não se restringe ao grande valor de seus textos, mas se estende em direção a uma batalha pela igualdade entre os gêneros, manifestada em sua luta por espaço e reconhecimento.

Em uma narrativa econômica e intensa, acompanhamos em fragmentos, ano a ano, a vida de um rapaz que se muda do interior da Bahia para São Paulo, em busca de uma vida melhor. O minúsculo barracão que constrói para morar com Adelina, que se alimenta da saudade que sente da Bahia, em um local inicialmente desabitado na capital, vai se transformando em casa à medida que os filhos nascem e morrem. O trabalho árduo e a vida difícil impregnam a trajetória de todos, que têm nas perdas e nas limitações da pobreza sua sina.

Toda cicatriz desaparece reúne quarenta textos de Rogério Pereira, selecionados pelo escritor Luiz Ruffato, que têm como tema a infância. O pai bêbado e violento, a mãe doente e amargurada, a irmã morta muito jovem, a pobreza, a lembrança das avós e de antigos colegas de escola compõem as histórias contadas e recontadas pelo adulto impregnado pelo menino magrela e daltônico. Uma bola de plástico, um guarda-chuva velho e banhos em chuveiros improvisados com latas de tinta, assim como outros elementos recorrentes nas narrativas, estruturam uma infância indelével na vida do escritor adulto.

Lucíola, publicado em 1862, romance que inaugura os perfis femininos escritos por José de Alencar, conta a história de Lúcia, prostitua bem-sucedida que circula na alta sociedade carioca do século XIX. Com uma história de vida trágica, Lúcia acostumou-se a conviver com homens mesquinhos e hipócritas, até conhecer Paulo, o narrador do romance, que desenvolve um amor puro pela protagonista e irá comprometer-se com ela de muitas formas ao longo da narrativa. Em um tom epistolar contínuo que dá camadas de realidade ao que está contado, o narrador se comunica com G.M., pseudônimo adotado por José de Alencar, e tece, desde o início, a história de seu amor por Lúcia. Entre a pureza e a perversão de uma época que os costumes da sociedade foram narrados por grandes escritores, Lucíola nos mostra as barreiras de preconceito e maledicência que os protagonistas precisam enfrentar para viver seu amor.

Em vinte textos curtos e dois um pouco mais extensos, somos convidados a uma experiência estética ora mais narrativa, ora mais ensaística. Um universo incomum e inusitado perpassa todo o livro, que conta histórias da sutileza e do estranhamento das coisas, que dão novos ares à nossa percepção da vida e do mundo: o movimento de uma borboleta, o desenho de mãos que seguram uma xícara, a companhia de um cachorro, as cruzes de um colecionador, o cuidado com um passarinho machucado, as tragédias do cotidiano... A escrita de Carlos Dala Stella, acompanhada de seus desenhos, transita entre o comum e o insólito, entre a poesia e a reflexão, sempre marcada pela suspensão do tempo comum.

A princípio, um retrato é feito do outro e do que dele vemos. E ainda do que lembramos e no que pensamos ao ver. Mas lentamente aprendemos que há muitos e inusitados elementos em sua composição. Retratos – desenhos de admiração é um livro de difícil e dispensável classificação. Ao mesmo tempo que reúne retratos desenhados e esculpidos em papel pelo artista ao longo dos anos, divide com o leitor reflexões poético-filosóficas sobre as artes e a experiência humana. Escritores, poetas, músicos, pintores, desenhistas, atores, arquitetos, cientistas, homens e mulheres compõem esse diário artístico-afetivo que Carlos Dala Stella oferece aos leitores.

Em sua velhice, Lin Cheng se dá conta, dia após dia, de que seus sentidos e habilidades já não são os mesmos da meninice e da juventude e se entristece com isso. No entanto, ele logo compreende que aquilo que considerava perdido está guardado em sua memória afetiva e se apresenta de maneira distinta nesta etapa da vida.

Napo é um menino curioso e engraçado, que expõe ao mundo suas dúvidas mais íntimas e seu estado de constante indagação da vida e da natureza. Ele está sempre buscando saber por que a coisas são assim, e não de outra maneira, o que existe e o que não existe, como o tempo passa, o que são a coragem e a solidão, ao mesmo tempo que narra sua incomum percepção das coisas. Entre o desejo de ter um rinoceronte, a estranheza diante do medo e sua paixão por Sininho, o menino repara minuciosamente em tudo ao seu redor, fazendo de sua imaginação um exercício poético de reinvenção do cotidiano.

Um barulho intenso e desconhecido assusta, durante as noites, as famílias que vivem em um beco, em uma pequena cidade. Pela voz do protagonista, agora com vinte e um anos, sabemos o que aconteceu ou o que ele imaginou ter acontecido naquela época, quando era apenas um menino corajoso. Decidido a descobrir de onde vinham os urros que aterrorizavam as pessoas, ele se depara com um estranho ser, de olhos ternos e solitários, preso em um túnel no meio de um poço. Sem saber como lidar com a situação e salvar tal criatura, com quem estabelece uma relação de cuidado e afeto, o narrador vive uma tensa experiência, marcada por ansiedade e medo, ao lado de sua família.

Já bem velhinha e frágil, Marguerite evita sair de casa, pois tem medo de se machucar ou adoecer, de ser atropelada ou assaltada. Um restaurante entrega comida congelada em sua casa, uma cabeleireira aparece uma vez por semana para lavar seus cabelos, uma faxineira faz a limpeza, um gentil vizinho cuida da retirada da neve de sua porta e às vezes os filhos a visitam. Em mais uma noite de Natal sozinha, em frente à televisão, como tem sido nos últimos anos, ela ouve a campainha tocar e, apesar do medo, se sente no dever de abrir a porta. Esse acontecimento acaba se tornando um delicado presente para Marguerite.

Sob as ordens do engenheiro João Gaspar está a construção de um edifício com infinitos andares, o maior arranha-céu de que se tem notícia. Contratado por um Conselho Superior para tal tarefa, mesmo sem conhecer as finalidades do empreendimento, seu dever é cuidar de cada detalhe da complexa obra e evitar, a qualquer custo, desavenças entre os operários, em razão da lenda de que, ao chegarem ao octingentésimo andar – sim, oitocentos andares! –, os conflitos entre os trabalhadores seriam inevitáveis. Além disso, João Gaspar não poder ter a pretensão de ver o prédio finalizado. Absurda, a narrativa de Murilo Rubião, mestre do realismo fantástico, tem sua estranheza poetizada pelas ilustrações de Nelson Cruz.

Grão de arroz é uma narrativa visual que conta a história de Betânia, uma personagem que é afastada da de sua mãe para morar com sua avó em um ambiente frio e nada acolhedor. Por meio das ilustrações e texto de Aline Abreu acompanhamos os refúgios que Betânia encontra nos livros e nas lembranças boas de seus pais. A obra trata sobre a vida, sobre um outro livro, sobre as miudezas que cabem na imensidão. É sobre crescer em qualquer condição, mas sempre perto daquilo que importa de verdade.

Um coelho que fala e que se transforma em outros animais, ao sabor de seus desejos e conveniências. Um homem que se torna amigo desse coelho e se dispõe a dividir sua própria casa com ele. Essa é a história de Teleco, o coelhinho, escrita por Murilo Rubião e ilustrada por Odilon Moraes. A estranheza do primeiro momento – um animal que fala e se transforma em outros, em um livro que não foi escrito para crianças? –, intensificada pelas ilustrações, se reinventa em convites ao fantástico em uma narrativa que convida os leitores a tomar coisas aparentemente absurdas como elementos para pensar a própria existência.

Luciano é um jovem de dezessete anos que vive com o avô e o irmão mais novo, Wellinton, de oito. Abandonado pelo pai, que se separara da mãe quando ela ainda estava grávida do caçula, teve de lidar também, pouco tempo depois, com a morte da mãe. Apesar do cansaço que sentia pelas longas jornadas diárias de trabalho e estudo, as coisas pareciam engrenadas em sua vida: o avô cuidava das rosas em seu jardim, Wellinton brincava e ia à escola, ele namorava Talita... Mas o momento sempre adiado por todos de lidar com as perdas se impôs para Luciano e, consequentemente, para o avô e o irmão, afirmando os sentimentos de amor e cuidado entre eles e exigindo novos caminhos para o três.

Em seu primeiro livro, Juliano Holanda usa o talento como compositor para elevar os poemas a sua vocação elementar: a oralidade. “A língua é uma lesma veloz”, entrega em um verso, e os textos se espalham no papel como uma sinfonia — não uma ópera, mas uma roda que ganha novos corpos e instrumentos a cada página virada. Outras armadilhas desejáveis percebe o que há de sensível no banal e assim dá vazão a um mundo que pode ser mais simples e conectado, como seres fantásticos — que somos — criando juntos um futuro possível. Este novo lugar não é impecável. Pelo contrário, segue cheio de arestas. Em Outras armadilhas desejáveis, as imperfeições são envolvidas pelas palavras e pelos afetos. É a bola de gude no apartamento de cima, o carro do ovo, a voz do piloto que pede para continuarmos sentados no avião, o barulho do amor quando quebra. Leitor de autores como Marco Polo, Lucila Nogueira e Philippe Wollney, Juliano Holanda encontrou seu ritmo em meio aos sons da cidade porque sabe, “o cão da palavra não se adestra”.

No Egito Antigo, onde começaram a ser domesticados, os gatos eram adorados e tidos como um símbolo místico de proteção. Ao longo dos séculos, este felino passou a povoar também a escrita dos seus donos. Histórias brasileiras de gatos reúne textos de célebres escritores brasileiros que se renderam à essa companhia. São contos, crônicas, fragmentos de memórias e trechos de romances que aproximam os gatos sob diferentes perspectivas — ora criaturas independentes e exigentes, ora oferecendo carinho e alento. Dizer que são dotados de uma personalidade forte não é suficiente. Os gatos, e os textos sobre gatos, podem ser ambíguos. Podem também ser fonte de reflexões sobre as relações humanas. Organizada por Rogério Ramos, a coletânea tem textos de Carlos Drummond de Andrade, Cora Rónai, Dalton Trevisan, David Oscar Vaz, Domingos Pellegrini, Ferreira Gullar, Heloisa Seixas, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Maria Julieta Drummond de Andrade, Milton Hatoum, Otto Lara Resende, Paloma Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Ricardo Ramos, Ricardo Ramos Filho, Rogério Ramos e Zélia Gattai.

Na aldeia onde o menino Porã vive, a idade de seus membros é contada pelas castanhas de caju que cada um vai acumulando, uma por ano. A temporada da fruta, adorada e esperada por todos, marca também a passagem do tempo. Quando o avô do curumim morre, suas setenta castanhas ficam para o neto, junto com a responsabilidade de liderar sua aldeia, quando alcançasse a vida adulta. Cumprindo seu destino e com os ensinamentos do avô no coração, Porã encontra, nas castanhas, os caminhos, nem sempre pacíficos, para cuidar de seu povo.

A imagem de uma astronauta, na imensidão do espaço iluminado por estrelas e segura por um tênue fio, que logo se rompe, fala sobre a saudade de seu pequeno mundo, sobre os mistérios e a perene transformação da vida em curso, a todo instante. E sobre o amor e o cuidado, que em alguns momentos afastam perigos e se realizam em encontros, mas que não se furtam ao que é próprio da existência humana: solidão, riscos, aprendizagem. Orbitar é um poema feito com palavras e imagens, repleto de metáforas sobre a maternidade, sobre o nascimento. É sobre considerar, amorosamente, quem o outro é e pode ser.

Ricardo, um menino que adora dinossauros e sabe muito sobre eles, tem uma irmãzinha bebê e vai mudar de escola. O ciúme da irmã e o medo da nova escola criam uma companhia bastante misteriosa para Ricardo: um fantasma, que passa o dia todo cochichando besteiras na cabeça do menino e estimulando sua ansiedade. Tudo parece difícil de ser resolvido, mas a recepção carinhosa que recebe dos colegas e a nova rotina escolar espantam o fantasma, que vai ficando cada vez menor e sem espaço na vida do menino, agora ocupada por alegres conversas e brincadeiras com os amigos.

A noção do que é pouco ou muito varia bastante e depende do ponto de vista de quem analisa a situação. Em um momento prazeroso, o tempo vai sempre parecer curto; mas, quando fazemos algo de que não gostamos, alguns minutos parecem durar o infinito. Em dez divertidas cenas que brincam com a ideia de pouco e muito, texto e ilustrações bem-humorados mostram experiências cotidianas da vida das crianças que colocam em perspectiva a percepção de tempo, espaço e quantidade, convidando os pequenos a se reconhecerem em alguns dos episódios e a rirem de si mesmos.

Bituc, Trip, Groba, Croc e Troglo são monstros que, de segunda a sexta-feira, arrasam na hora de assustar, mas, como todo mundo, depois de um dia de trabalho, eles querem relaxar. Bituc nina seu bebê, Trip assiste à TV, Groba lava a louça, Croc lê histórias para seu filhote e Troglo brinca no balanço. No final de semana, eles se encontram para tocar em uma banda e descansar. Apesar de parecerem assustadores – afinal, esse é seu trabalho! –, todos carregam certa ternura no olhar, convidando os pequenos leitores a uma imaginária cumplicidade. O texto propõe uma leitura ritmada, que pode se tornar uma divertida brincadeira com as crianças. As ilustrações dão forma a monstros curiosamente terríveis e engraçados.

A clássica narrativa é oferecida aos pequenos leitores em um texto dramático em quatro atos, que pode ser lido, individual ou coletivamente, e encenado com os amigos. Quem conta essa história, com as especificidades do teatro, são os personagens Alfaiate e Dona Helena, narradores da trama. Depois de ficar sabendo sobre uma festa no céu, o sapo, que não voa e não tem como chegar lá, se esconde no violão do Urubu, que nem desconfia da carona que está dando ao amigo. O final todo mundo conhece: sapo esborrachado no chão... O livro aproxima os pequenos leitores do universo do teatro, apresentando a eles as marcas, chamadas rubricas, que colocam a história no palco, transformando-a em espetáculo.

Em uma pequena cidade interiorana, Alaor vive com a mãe e o pai, maquinista de trem aposentado em função de um acidente de trabalho, no velho Hotel Paraíso, herança da família materna. A instalação de um aeroclube no lugar desperta o interesse do menino, que passa a acalentar o sonho de voar, dispondo-se a qualquer coisa para realizá-lo. Um incêndio no hotel da família, provocado por um balão em uma festa de São João, altera consideravelmente a vida de todos e oferece a Alaor o desejado voo de reconhecimento – um breve passeio de avião, marcado em sua memória para sempre.

Quando o trem começa a andar, muitas coisas passam por suas janelas e pelos olhos atentos do viajante: vacas, galinhas, cabritos, rios, pomares, uma igreja, pessoas... E todas essas coisas e personagens se transformam em brincadeiras e rimas, ganhando sentidos inusitados e divertidos. Os versos e as ilustrações de Cláudio Martins parecem acompanhar o ritmo do trem nas histórias que juntos vão contando. O que era para ser uma simples viagem se transforma em muitas aventuras pela inventividade do autor. Viajar é isso, não?

A vaca se diverte fotografando os bichos da fazenda em situações muito engraçadas. Ninguém nem nada escapa às suas lentes: o touro, o porco, a pata, a ovelha, a mosca que voa sobre o rabo do touro, a espiga de milho que o porco cheira, a meia da pata, a lã da ovelha... Mas, de repente, a curiosa fotógrafa percebe que ela mesma não figura nas cenas que registra e tenta resolver o problema com soluções um pouco atrapalhadas e muito pitorescas. Com texto rimado e bem humorado e ilustrações divertidas, o livro convida os pequenos leitores a passar um dia na fazenda e sair na foto de um dia feliz.

Um menino usa parte do material reciclável que seu pai cata na rua para fazer uma colagem na parede de seu quarto. Seu painel ganha a admiração da família e dos amigos, que festejam as artes do menino. Mas, quando a atenção de todos se desvia do painel para o canto de um pássaro na rua, o pequeno decide capturar o pássaro, para mais uma vez trazer para si o olhar de todos. Encantado e inspirado pelo canto do pequeno animal, ele começa a construir com seus próprios desenhos um novo cenário e se vê convocado a compreender que não pode aprisionar a beleza. Narrada apenas com imagens, a história é uma aprendizagem de pequenas liberdades.