Uma menina narra sua lembrança mais feliz de viagem, curiosamente feita dentro de uma casa, em Salvador. Acompanhando a avó, que vai visitar duas amigas bem velhinhas, a pequena embarca em uma viagem imaginária com as duas senhoras, que fazem da colcha de retalhos que tecem um objeto de memória e de fantasia. Depois de colocarem seus chapéus, tendo a menina como convidada, elas viajam pelo mar até chegar a Itaparica. Em seu trajeto, cantam, contam suas lembranças e acenam para os barcos que passam, além de se assustarem com um temporal que se anuncia. Essa aventura fica para sempre na memória da menina.

À primeira vista, essa pode até parecer a história de um avô que oferece à neta, como presente, uma bezerra. Mas é muito mais do que isso, pois o que acompanhamos é um relato de carinho, dedicação, cuidados e perdas que tocam aos três personagens da narrativa. Com a passagem do tempo, a menina cresce e também a bezerrinha. O avô, já velhinho, morre. E os pequenos leitores experimentam as relações afetivas em sua complexidade, marcadas por alegrias, dores e saudade. Os encontros e os momentos de diversão da menina com o avô e a vaca se tornam boas lembranças, levadas por toda a vida.

“Lá” pode ser apenas um lugar que não é o nosso, que indicamos quando alguém pergunta onde está ou onde fica algo. Mas pode também, como nos muitos convites que fazem João Anzanello Carrascoza e Ionit Zilberman, ser uma maneira de pensar o espaço em que não estamos e do qual muitas vezes não nos damos conta. É “lá” que podem estar as muitas coisas que perdemos ou que não encontramos, como chaves e guarda-chuvas desaparecidos, o sol durante a noite, a música ao final de sua execução, o tempo que passa e até mesmo os anos que ainda temos para viver. Pensar poeticamente esse “lá” pode aprofundar nosso olhar sobre o aqui.