Um deserto de estranhas veredas
Resenhas catálogo | 26.09.2024
Última atualização 26.09.2024
A reflexão sobre o fazer literário e a criação artística não é, exatamente, uma novidade entre escritores. Muitos deles se dedicam a pensar a escrita, contemplando também as artes, articuladas a questões que parecem determinantes do nosso tempo, em uma materialização da figura do intelectual que indaga o mundo tomando como base a própria experiência e vem a público apresentar essa indagação. Esse exercício está presente em ensaios, entrevistas, palestras e debates em eventos literários, sendo tomado, muitas vezes, como chave de leitura para romances e contos. Se são úteis a este fim, não é possível afirmar, uma vez que há quem se valha dessa prática e também quem a veja com ressalvas. O certo é que depoimentos sobre a formação de escritores e seus processos criativos, motivações para a escrita, histórias de livros e opiniões sobre o mundo costumam interessar aos leitores mais experientes. Estes vão encontrar em Um deserto de estranhas veredas, de Luiz Ruffato, um convite ao universo do autor, tanto no que toca à sua criação literária quanto no que diz respeito à visão de mundo que a ancora.
“Sobre o que escrever era a pergunta que me parecia mais fácil responder. Obviamente, eu pensava, sobre o universo que conheço, o do trabalhador urbano, os sonhos e pesadelos da classe média baixa, esse recorte social indefinido, com todos os seus preconceitos e toda a sua tragédia. Digo obviamente porque para mim a Arte é manifestação de experiências pessoais, embora não necessariamente autobiográficas.”
No coração do livro está uma longa entrevista concedida ao escritor, pesquisador e professor universitário Eloésio Paulo, em que Ruffato trata de sua escrita e de seu universo ficcional, tendo como eixo alguns de seus livros. O volume traz também um apanhado da produção do autor no Brasil e no exterior, além de fortuna crítica com trabalhos, especialmente dissertações e teses acadêmicas, mas também artigos de crítica literária publicados em veículos especializados e na imprensa, sobre sua obra. Traz ainda três textos emblemáticos de sua produção: uma crônica e um depoimento sobre sua formação, desde a infância na mineira Cataguases, e um ensaio sobre a presença de imigrantes italianos em Minas Gerais, tema muito presente em seus livros, em função de suas origens familiares.
Além de registro importante da trajetória de Luiz Rufatto e de um fragmento da história da literatura brasileira, a reunião dos textos que fazem Um deserto de estranhas veredas divide com os leitores um pouco da intimidade do autor, que, em formatos distintos – entrevista, crônica, depoimento e ensaio –, oferece peças para a composição de um mosaico a ser montado de acordo com o diálogo estabelecido com cada um.
Fabíola Farias
Graduada em Letras, mestre e doutora em Ciência da Informação pela UFMG, com pós-doutorado em Educação pela UFOPA. Dedica-se à pesquisa e a projetos sobre leitura, formação de leitores, bibliotecas, livros para crianças e jovens e valorização da cultura da infância.