Ruflar de tambor
Ensaios e Formação Leitora | 31.10.2024
Última atualização 31.10.2024
Um escritor só conhece o rosto de seus leitores ou possíveis leitores quando sai da situação confortável e estática de seu mundo de criação e vai ao encontro deles. Especialmente quando se trata de um público mais jovem, esses encontros podem ser um sopro revigorante. Aconteceu comigo durante uma viagem à cidade de Rio Branco, no Acre, onde participei de conversas com diversas turmas do Colégio Meta.
Ao ver o rosto de jovens tão jovens me ouvindo contar a história de velhos tão velhos do meu romance Jasmins (Maralto), tive a certeza de que eu estava ali comprimindo uma espécie de missão literária. Isto porque, para mim, nada define melhor o movimento proporcionado pelos livros e pela ficção do que a transformação íntima de cada um. Como nossa palavra pode alcançar o leitor e incentivá-lo a sair da inércia mental ou intelectual, convidá-lo a mergulhar fundo em dramas, descobertas, situações, viagens e cenários muito além de seus limites?
Em todas as turmas, inclusive as do quinto ano, ao iniciar o tema do romance, tive a percepção de que minha conversa fez soar o ruflar de um tambor. “Vocês já pensaram na velhice? Não simplesmente em quando se envelhece, mas quando se desaparece lentamente? Quando a gente se esquece de quem foi um dia?”
Os rostos daqueles jovens pareciam colados a minha fala. Um silêncio profundo, como se a maioria deles despertasse para o questionamento pela primeira vez. Alguns, curiosamente, disseram já terem pensado na velhice. Outros seguiam com interrogações visíveis em seus olhares, como se a partir daquele instante começassem eles mesmos a envelhecer – quando se é jovem só os velhos envelhecem, certo?
Apresentei Jasmins, contei sobre enredo, personagens, cenário. Revelei como surgiu a história, minhas motivações e inspiração. Falei também sobre minha obra em geral e de como comecei a escrever. Eles me deixaram perceber o quão importante eu era naquele instante. Mostraram um comprometimento emocionante. Pareciam guardar entre as mãos cada pedaço de minha fala.
Após as conversas com as turmas, sempre um grupo vinha até mim para falar mais, perguntar mais, saber mais. Um dos garotos de uma das turmas chegou ao final e disse: “Esse livro dá um filme. Acho que podemos fazer um projeto!”.
De fato, toda minha escrita, principalmente em Jasmins, é muito visual. Mas eu não tinha tocado nesse tema. Foi uma percepção que nasceu da minha fala. Respondi: “Esse é meu grande sonho!”
Um escritor não deveria jamais achar banal nada do que ocorre em seu cotidiano. Cada movimento em busca de seus leitores é um grande acontecimento. Cheguei em casa com mais coragem para mover meus moinhos de criação e apostar que a literatura, unida à sala de aula, é uma das maiores forças de transformação do mundo.
Claudia Nina
É escritora, jornalista, crítica literária e podcaster, com doutorado em Letras pela Universidade de Utrecht, na Holanda, sobre Clarice Lispector.