
Resenha - Jasmins
| 11.09.2024
Última atualização 11.09.2024
A solidão é um sentimento recorrente na história da humanidade e se mostra de maneiras distintas em existências concretas diversas: em grandes e pequenas cidades, em pessoas velhas e jovens, ricas e pobres, saudáveis ou adoecidas, sozinhas ou acompanhadas. Intensificada por fatores comuns na contemporaneidade, como o esgarçamento da convivência social em função da exigência insaciável de produtividade, revela-se de maneira dolorosa em pessoas que escapam às orientações, quase sempre utópicas e fantasiosas, de prazer e felicidade. Em experiências diferentes, mas indissociáveis entre si, é de histórias de solidão que compartilhamos na leitura de Jasmins, de Claudia Nina.
Yasmin, que adota o nome das tristes flores que vê todos os dias pela janela, é uma jovem mulher que aceitou como ofício a tarefa de visitar Wanda, uma senhora doente que vive em uma casa de repouso em uma cidade interiorana. Sem saber por quem foi contratada, ela se muda para a pequena Hervália e passa os dias no asilo onde a senil senhora mora. Com asco permanente de tudo no lugar, inclusive da mulher a quem, em tese, ela se dedica, Yasmin se vê sufocada por uma vida triste, arrastada e sem sentido. Somente com a atenção de um novo enfermeiro que chega à instituição, que ela chama de “depósito”, a mulher vislumbra em Wanda uma história de vida solitária como a sua. A dor da velha, captada em poucas palavras e em gestos mínimos, às vezes arrebatada pela fúria, desperta na jovem o desejo de conhecer e de compreender a pessoa que, por anos, vem acompanhando em profunda e mútua solidão.
“Não havia “onde” a não ser a minha morte prematura que me faria sumir-fugir de algum modo. O que, em alguns momentos mais torturantes da quase hospedagem no depósito, até que não seria má ideia. Eu teria só que pensar em uma forma eficaz de preparar meu sumiço e isso me exigiria disposição.
Por preguiça de morrer, resolvi ficar.
Ainda tenho dúvidas se fiquei ou se morri.”
Lemos, e até mesmo ouvimos, tamanha a proximidade que logo se cria entre narradora e leitor, a história dessas duas mulheres como se fosse a de uma só. Apesar de guiados pela voz de Yasmin, seguimos envolvidos também por Wanda, sentindo, no que nos é contado, o peso da solidão. O texto de Claudia Nina, sensível e inteligente, dá forma às experiências das personagens, criando imagens que nos colocam diante de nossas próprias vidas e de nossas concepções de cuidado e de afeto. Afinal, o que é que nos torna próximos do outro, para além das aparências e das obrigações sociais? Sem ter essa intenção, Jasmins nos faz esse potente convite.
Fabíola Farias
Graduada em Letras, mestre e doutora em Ciência da Informação pela UFMG, com pós-doutorado em Educação pela UFOPA. Dedica-se à pesquisa e a projetos sobre leitura, formação de leitores, bibliotecas, livros para crianças e jovens e valorização da cultura da infância.